Castanheiro de Guilhafonso
Símbolo da castanha na região beirã, estima-se que o gigante Castanheiro de Guilhafonso conte com mais de 500 anos de história. Resultado da junção de dois castanheiros, a árvore foi recuperada há cerca de oito anos, quando corria o risco de secar. Em 2020 foi proposta para o concurso Árvore do Ano 2021.
É na pequena aldeia de Guilhafonso, freguesia de Pêra do Moço no concelho da Guarda, que se encontra um dos maiores castanheiros (Castanea sativa Miller) da Europa, conhecido como Castanheiro de Guilhafonso. A árvore centenária é de tal forma imponente que são necessários pelo menos nove adultos para abraçar o seu tronco. Esta árvore resultou da junção de dois castanheiros, cujos troncos, por estarem muito juntos, se envolveram um no outro, pelo menos é o que se diz aqui….
Bem destacado na paisagem, o Castanheiro de Guilhafonso tem uma altura de 26,4 metros, um perímetro do tronco de 8.7 metros a 1,30 metros do solo e um diâmetro médio da copa de 24,5 metros, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Embora não seja possível calcular a sua idade com exatidão, estima-se que o colossal castanheiro tenha cerca de 528 anos, o que o torna contemporâneo da Época dos Descobrimentos. Em 1987, o castanheiro produziu meia tonelada de castanha de variedade Rebordã.
Desde 1971 que o Castanheiro de Guilhafonso, localizado entre Guarda e Pinhel, está classificado como “árvore de interesse público”. É um dos principais resistentes da era dourada da castanha na Beira Interior. Outros, como o “Castanheiro Velho” de Arrifana, também no concelho da Guarda, tiveram pior sorte. Esse castanheiro milenar, com um perímetro de tronco de 13,20 metros e um diâmetro de copa de 32 metros, secou, depois de ter sido atingido por um raio e foi, no verão de 2015, afetado por um incêndio.
Castanheiro de Guilhafonso: a história de um sobrevivente
Na década de 50, o castanheiro ocupava um papel importante na economia familiar da Beira Interior, em particular no distrito da Guarda. O número de soutos nesta região colocava-a em segundo lugar em termos de produção de castanha (alguns anos com valores de três mil toneladas de castanha) a nível nacional, a seguir ao distrito de Bragança. Um dos livros que melhor retrata esta história é “O Castanheiro e a Castanha na Tradição e na Cultura”, da autoria de Mário Cameira Serra.
Contudo, ao longo das décadas, a doença da tinta e o cancro dos castanheiros, assim como os incêndios e raios foram secando inúmeras árvores. Também a madeira do castanheiro conduziu ao abate de vários soutos – o Castanheiro de Guilhafonso terá sido vendido para abate no início da década de 70, mas tal acabou por não acontecer devido ao descontentamento geral dos habitantes locais.
Não seria esta a última vez que a sobrevivência desta portentosa árvore estaria em perigo. Em 2009, o Castanheiro de Guilhafonso estava em risco de ser desclassificado pela Autoridade Florestal Nacional (AFN), por apresentar uma elevada probabilidade de secar.
Mais uma vez, a população mobilizou-se na defesa desta árvore histórica e, poucos anos depois, a Câmara da Guarda encomendou um estudo à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que apoiou a sua recuperação. Através do tratamento fitossanitário e da poda, o Castanheiro de Guilhafonso ganhou, nos anos seguintes, uma nova vida e voltou a produzir castanha em maior quantidade. No entanto, ainda longe dos números históricos de 1987: meia tonelada de castanha de variedade Rebordã.
A sua perseverança fez com que tenha sido submetida como concorrente à fase nacional do concurso Árvore do Ano 2021 promovido pela UNAC – União da Floresta Mediterrânica.
Estas iniciativas ilustram a vontade de preservar estas árvores centenárias. O símbolo dessa vontade é o Castanheiro de Guilhafonso, também conhecido como “Árvore do Povo”, que sobreviveu a várias ameaças graças à união das gentes que o rodeiam.
A tradição que preserva a memória
O valor da castanha e do castanheiro na Beira Interior ainda é visível nos dias de hoje e não se cinge aos castanheiros centenários, como o Castanheiro de Guilhafonso. Embora não represente o mesmo em termos económicos e de subsistência das famílias do que há 50 anos, a castanha continua bem presente nas tradições em geral e na toponímia, em particular.
“” São autênticos exemplares, com dimensões inacreditáveis, como o de Guilhafonso e o da Arrifana. O primeiro, com idade estimada em 400 anos, tem uma altura de 19 metros, o que lhe permite ser considerado o maior exemplar da Europa que, em 1987, produziu meia tonelada de castanha da variedade Rebordã, conforme refere Sanches Pereira em “O Castanheiro na Beira Interior””
Dizem alguns homens da ciência que o castanheiro terá chegado à Península Ibérica ainda durante o período Neogénico, vindo da Ásia, podendo hoje afirmar-se (de forma provocativa) que esta espécie possui um carácter autóctone. Este não tem tanto tempo, mas nos 500 anos que já leva no tronco, pela sombra da sua copa terá já passado muita vida. Está velho o nosso amigo. Está cansado. Mas resiste. Afinal, as árvores morrem de pé.
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“” Para abraçar o seu tronco “são necessárias sete ou oito pessoas”, disse-nos Celeste Pereira, natural de Guilhafonso e ex-professora do ensino primário. “Dizia-se, antigamente, que esta árvore resultou da junção de dois castanheiros, cujos troncos, por estarem muito juntos, se envolveram um no outro” referiu ao Diário AS BEIRAS.
O secular castanheiro continua a ser o principal cartaz da povoação perto da qual está também a conhecida anta de Pêra do Moço. “As pessoas quando vêm ver o castanheiro quase sempre aproveitam para visitar a anta, ali pertinho, do outro lado da estrada”, acrescenta Celeste Pereira.
Durante largos anos a falta de limpeza do terreno causou fortes apreensões e justificados receios de o castanheiro ser destruído pelos incêndios. Adquirido o espaço envolvente, pela Junta de Freguesia de Pêra do Moço, desvaneceram-se essas preocupações, pois a autarquia procedeu à lavra do mesmo, reforçando assim a salvaguarda da mencionada árvore que em finais da década de 90 tinha sido atingido por um raio.
Particularmente atingida foi a “pernada principal” e os danos pareciam ditar uma recuperação difícil. Contudo, com o decorrer dos anos, e mercê da atenção que lhe foi dedicada, o castanheiro de Guilhafonso revitalizou-se para gáudio das gentes locais, “não pelas castanhas”, mas pela sua singularidade.
Para além das visitas individuais, ou de grupos enquadrados em actividades escolares, este emblemático espécime é, com frequência, ponto de referência em passeios de todo-o-terreno, ampliando progressivamente a sua divulgação e o interesse das pessoas.
“Nos últimos anos acho que está a ter mais atenção. Antes estava rodeado de mato e agora tem o terreno lavrado e está assinalado”, comentou-nos Celeste Pereira que recorda “ter chegado cá, há cerca de 30 anos, um madeireiro para o cortar”. Mas as árvores morrem de pé e o ex-libris da aldeia de Guilhafonso continua a desafiar o tempo e as intempéries, com os seus quase 20 metros de altura e uma copa cujo diâmetro ronda os 26 metros.
Se este caso concreto assume uma particular importância para a área onde está localizado e é referenciado, em termos europeus pela sua dimensão, não se pode esquecer que o castanheiro e a castanha estão profundamente ligados às culturas tradicionais desta zona do interior beirão.
Aliás, é do domínio público que as variedades portuguesas do castanheiro são responsáveis pela produção das melhores castanhas, apreciadas a nível mundial e cada vez mais associadas à gastronomia.
O impacto da castanha e do castanheiro está bem vincado, nesta região, não só em termos económicos como também na própria designação de muitos lugares e povoações, basta, para tanto, ver o mapa toponímico regional.
O castanheiro de Guilhafonso é, assim, motivo de orgulho das gentes locais e símbolo de um património florestal que importa valorizar e salvaguardar. HS”” Diário AS BEIRAS, 11 Novembro 2009